sexta-feira, 6 de julho de 2007

Crime e adoção na sede da OAB
Luiz Carvalho

Diante da catedral católica, um pastor protestante prega para alguém que eu não consigo ver. Na esquina da Praça da Sé com a João Mendes, cinco prostitutas esperam clientes, encostadas nas portas de vidro da agência do Banco do Brasil, camufladas pela banca de jornais. Meio envergonhado, vou e volto diante delas. Não há nada incomum, a não ser o calor de uma atípica quarta-feira (04) de inverno paulistano.

No salão nobre da sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Secção São Paulo, número 385 da Sé, Margarette Garcia e Heveraldo Galvão apontam ações de combate à homofobia e tratam da adoção em relações homoafetivas. Ela comanda a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi/DPP/DHPP). Ele é advogado e mestre em Direitos Coletivos. Ganhou notoriedade após defender a adoção da menina Theodora, de cinco anos, em dezembro de 2006, por Júnior de Carvalho, 46, e Vasco Pedro da Gama, 38. Pela primeira vez um casal homossexual masculino obteve a guarda de uma criança no Brasil. Apenas outros dois, formados por mulheres, conseguiram parecer favorável: um no Rio Grande do Sul e outro no Rio de Janeiro.

Além da delegada e do advogado, Cássio Silva, da Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da Cidade de São Paulo (CADS), Márcia Melaré (vice-presidente da OAB SP), Marco Alvarenga (presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB SP), Cláudio Brandini (coordenador do Grupo de Diversidade da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB SP) e Joseph Cruz (representante no Brasil da Gay and Lesbian International Sports Association – Glisa) compõem a mesa, que inicia os debates por volta das 19h30.

Cidadania
“A sociedade ainda não percebeu a importância de uma legislação específica para tratar dos direitos dos homossexuais. A rejeição em aceitar a diferença significa que a opressão contra a comunidade Gay, Lésbica, Bissexual, Travesti e Transgênero (GLBTT) ainda está presente em muitos lugares do mundo”, afirma Alvarenga.

Porém, para Heveraldo Galvão, medidas como a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLC) 122/2006, que criminaliza a homofobia e atualmente tramita no Senado, não é suficiente para diminuir a violência. “Não adianta fazer lei se a população não está preparada para ela. Temos que organizar um movimento de cidadania e estimular a reflexão sobre o preconceito que carregamos dentro de nós”, sugere.

Antes de apresentar imagens de roupas, tatuagens e armas utilizadas por gangues que praticam crimes de intolerância, Margerette Garcia observa “que os ataques homofóbicos e racistas são planejados para que a vítima sofra muito.” O próprio Decradi nasceu em 2000, após o assassinato de Édson Neris da Silva, espancado na Praça da República, região central de São Paulo, quando andava de mãos dadas com o namorado.

A delegada confirma ainda a sensação de resistência do Poder Judiciário para decretar prisão por crimes de intolerância. “Lutamos também contra o preconceito institucional”, reconhece. Questionada sobre a violência dos policiais contra homossexuais, Margarette saiu em defesa da corporação. “Nós vivemos um momento de reaproximação com o segmento GLBTT. Existe a tentativa de preparação, temos melhorado currículo, mas existem coisas que precisamos mudar na sociedade, como um todo, porque é dentro dela que buscamos o policial. Só não devemos esquecer que em São Paulo ele enfrenta o perigo, lida com a pressão e ainda convive com uma situação econômica muito ruim”, pondera.

Adoação
Apesar de enaltecer a existência de uma ideologia homofóbica, que resulta em problemas como a discriminação profissional, Galvão destacou que ocorreram avanços na Legislação Brasileira. “A Lei municipal 9791, de Juiz de Fora, aprovada em 2000 serviu de base para a criação de outras que impoem sanções administrativas a estabelecimentos que praticam a discriminação por gênero. Dos 27 estados brasileiros, 13 tem legislação anti-homofobia. Em São Paulo, 80 municípios já adotaram mecanismos que tratam da discriminação em razão da orientação sexual”, ressaltou.

De acordo com o advogado o sistema jurídico nacional permite a aceitação legal aos casais homossexuais. Teoricamente, basta que eles demonstrem condições como vida em comum, mútua assistência e capacidade para educação dos filhos.

Porém, o pequeno número de que conseguiu preencher os pré-requisitos das varas Civis, de Direito Familiar ou da Infância e Juventude mostram que ainda é difícil enfrentar os julgamentos que os membros do Judiciário realizam com base em valores pessoais. Uma prova disso foi o próprio caso da menina Theodora. Em 1998, um juiz negou o pedido a Júnior de Carvalho e Vasco Pedro da Gama por classificar a relação como anormal!

O advogado sublinhou que os artigos 41 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dão garantias aos casais do mesmo sexo. O primeiro atribui a condição de filho ao adotado, independente de qualquer vínculo com pais e parentes e o segundo determina que a adoção pode ser deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. “Negar a adoção pelo fato das pessoas serem diferentes do padrão habitual e conservador é uma prova de discriminação”, finalizou.