quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Brasil: sétimo lugar na Copa de Rua

foto: Talita Matos

Foi por pouco: a derrota por 5 a 4 para a Rússia impediu que a seleção brasileira de futebol de rua chegasse às quarta-de-final do torneio. Ainda assim, foi a melhor campanha da equipe nos últimos cinco anos.

Uma forte chuva a poucos minutos do início da partida contra o time russo deixou o piso molhado e provocou muitas contusões, inclusive do goleiro brasileiro Diego. Apesar do resultado desfavorável, a seleção mostrou um grande poder de superação. Depois de tomar 4 gols no primeiro tempo, tirou a diferença, mas não alcançou o empate.

No jogo seguinte, o Brasil venceu a Ucrânia nos pênaltis e ficou com o sétimo lugar.

O campeão desta edição da Copa foi a seleção do Afeganistão, que derrotou a Rússia por 5 a 4. Em terceiro ficou Gana, seguida por Escócia, Quênia e Inglaterra.

De acordo com a assessoria brasileira, fora de campo a disputa foi importante para os países latino-americanos (Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Colombia e Mexico) estreitarem laços visando a criação de um movimento regional e a disputa da Homeless World Cup em 2010, na América do Sul, muito provavelmente no Brasil.

A seleção brasileira jogou 12 partidas, venceu duas, fez 92 gols e sofreu 30, saldo positivo de 62 gols.

Jogos do dia 02/12
Brasil 4 x 6 Ucrânia
Brasil 11 x 1 Malaui
Brasil 15 x 3 Argentina


03/12
Brasil 8 x 3 Timor-Leste
Brasil 8 x 1 Lituânia

04/12
Brasil 11 x 0 Hong Kong
Brasil 7 x 3 Noruega
Brasil 10 x 4 Quênia

05/12
Brasil 2 x 1 Portugal
Brasil 9 x 0 Hungria

06/12
Quartas de final:
Brasil 4 x 5 Rússia

07/12
Disputa do sétimo lugar
Brasil 3 (1) x (0) 3 Ucrânia
* Brasil venceu por 1 x 0 nos penâltis

Para ler a reportagem sobre a preparação da equipe, visite nosso site: www.anonimatosa.com.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Flores sobre o túmulo

Por Luiz Carvalho (texto) e Marcio Brigo (imagens)

Caso o poeta realmente tenha razão, o Largo General Osório, na região do centro velho paulistano, é uma explosão de flores sobre o túmulo do samba. Não em sinal de nostalgia, mas numa sublime nota de resistência.

A esquina da Rua General Osório com a Rua dos Andradas, onde duas dezenas de pessoas se juntam às portas de um bar e em torno de cuíca, cavaquinho, bandolim, pandeiro e outros objetos que viram instrumentos de percussão, é um aperitivo antes do apogeu. E um exemplo de democracia. Na altura do número 98, do lado esquerdo, a placa indica Osório com ‘s’. Do lado direito, o endereço vira Ozório. Para evitar o embate, vamos pelo apelido: eis a Rua do Samba Paulista.

A nata do estilo musical se reúne todo último sábado do mês em apresentações conhecidas por já terem recebido quase todos os bambas da cidade e mesmo de outros estados. Sob uma tenda branca, em cima de um pequeno palco, embaixo de holofotes e cercado por grades de proteção, os 11 integrantes do Samba Autêntico, grupo de pesquisa sobre o samba paulista, ensaia antes de começar a edição de aniversário.
Seis anos e 72 encontros depois, o espetáculo não acontece mais em frente à loja de instrumentos musicais Redenção: em 2006, passou a fechar uma via no bairro Santa Ifigênia, paraíso de produtos eletrônicos. Partiu de uma platéia de 150 pessoas para reunir cinco mil perante a maior sala de concertos de música erudita da América Latina: a Sala São Paulo, no Complexo Cultural Júlio Prestes.

A regra e o mestre – “A nobreza gosta da música, mas não chega para ver e ouvir”, comenta Roberto Oliveira dos Santos, o Beto, integrante da UNEGRO (União de Negros pela Igualdade), uma das responsáveis pelo evento. Egresso dos movimentos estudantil e sindical, ele define o encontro como uma roda com viés político, cultural e transformador. Econômico também. “Optamos pelo último sábado do mês porque todo mundo está duro”.

A preocupação, segundo conta, é fazer política cantando sambas de raiz, sem transformar o espaço em palanque. No intervalo para o descanso dos músicos, Beto e a direção da UNEGRO utilizam o microfone para lembrar à platéia, majoritariamente jovem e vestida para a balada, que a Rua do Samba é “radicalmente favorável às políticas de ações afirmativas, às cotas e ao Estatuto da Igualdade Racial para acabar com a centralização de renda”.

Ele não é sambista, então faz as vezes de mestre de cerimônias e ouvidor. Após receber reclamações do público feminino a respeito de letras machistas, resolveu conversar com os partideiros. O resultado foi a roda de samba das mulheres, que acontece em março. Ao menos neste mês elas é que mandam no terreiro.

A regra da rua é simples: velha guarda entra sem pedir, quando quiser, ao contrário dos novos compositores, submetidos ao crivo de Paulo Roberto Mateus, o Mestre Paulo, paulistano da Casa Verde e filho de um dos fundadores da Unidos do Peruche. Da mesma forma que Beto, Mestre Paulo tem um boné com o nome pintado. Diretor de bateria da Peruche, ele passou a integrar o grupo Samba Autêntico em 2003, quando o irmão caçula o convidou para dar moral ao projeto que engatinhava.

Roda do acarajé – São três horas da tarde do último final de semana de novembro e a música acaba de começar. Gerson Nascimento está vestido de acordo com a ocasião. Usa filá, tradicional chapéu africano, camisa com faixas horizontais vermelha e preta e as letras MPLA na altura do coração, sigla de um partido político angolano. Tudo isso para vender acarajé e algumas outras peculiaridades na Rua do Samba: cuscuz, bolo de mandioca, vatapá e xinxim de galinha, que acompanha arroz. O forte da barraca, porém, é o acarajé. Em média, comercializa cerca de 100, vendidos a R$ 4 cada.

A barraquinha do soteropolitano não tem concorrência. Ao seu lado estão uma de espetinho e mais seis de lanches como cachorro-quente.

Aos domingos, na feira da Praça da República, o figurino muda e ele se torna um típico baiano para turistas, com roupas brancas e demais apetrechos. Lá, vende sete tipos de comidas baianas e, neste caso, o acarajé perde a majestade, mas não o lugar no coração de Gerson.

Foi graças ao quitute que comprou um apartamento na Rua Aurora, depois de chegar a São Paulo na década de 1980, quando trabalhou registrado como caseiro no Itaim Bibi. Após três anos, viu que seu caminho era outro e passou a vender pastel e caldo de cana no bairro da Santa Cecília. Mas, o acarajé estava no sangue, tradição de mãe para filho, que botou em prática logo depois de ingressar no ramo da alimentação. No futuro, se Deus quiser, financiará um “negócio de portinha”, que atenda ao público durante a semana.
A outra roda – J. Guerra, o bar entre as duas versões de Osório, é um típico boteco das antigas: pouco espaço, torresmo exposto atrás do vidro, mesa na calçada e diversos sotaques. O único sinal de modernidade é o copo de plástico, para evitar prejuízo com a batucada e o tremelique da mesa.

João Correia é um cliente exemplar. Historiador carioca de 46 anos, ele tem cabelos compridos, barba comprida e umbigo no balcão. Apesar da carteira de ator profissional, trabalha desde sempre na informalidade, com coleta de dados para pesquisa e, atualmente, na elaboração de projetos sociais para adolescentes em situação de risco.

Quando comento que acho interessante ele não ter perdido o sotaque carioca em 26 anos de São Paulo, logo define: “Minha avó era cearense e deixou o nordeste aos 20 anos. Até o fim da vida não falava vermelho, mas sim encarnado”. Está explicado.

Filho de mãe militante do PT com pai militar (“um milico dos novos tempos, votou no Gabeira”), identificou-se mais com o espírito materno. “Sou um bicho vira-lata da rua, gosto de manifestações culturais na rua. Essa forma de expressão é mais autêntica e transformadora, na medida em que as pessoas passam a conhecer as origens e a própria cultura. Fico emocionado”, diz.

Correia prefere o boteco da Osório com a Andradas ao largo porque o primeiro lhe parece mais com o formato original da Rua do Samba. “No largo, a coisa é mais democrática porque mais pessoas participam, mas aqui na esquina é mais resgate, mais fundo de quintal. Lá é o Rio de Janeiro, glamuroso. Aqui é Niterói, a cidade sorriso”.
Em um ambiente multiétnico, mas predominantemente negro, uma mulher de pele alva, cabelos loiros e óculos escuros desaparece após a fotografarmos na calçada do J. Guerra. Descobrimos que Lúcia é seu nome, mas todos a conhecem como Gringa do Pandeiro. Com esse pseudônimo, a argentina morre de medo de seqüestro. “Talvez pensem que eu tenho euros”. Por isso, não revela o sobrenome e permite apenas que registremos o pandeiro, posto na altura do peito, junto à camiseta com a imagem de São Jorge. “É ‘mía’ alma”, define.

Apesar de viver há três décadas no Brasil, desde quando o marido engenheiro chegou a trabalho, conserva o sotaque castelhano. Aos desembarcar em território brasileiro, passou dois meses na capital carioca, antes de se estabelecer no bairro paulistano do Campo Belo, onde mora desde então. Professora aposentada de inglês e espanhol, formada em piano, sempre amou a música, especialmente o samba.

Gringa do Pandeiro carrega a paixão pelo apelido no pulso direito, repleto de calos. “Toco todos os dias. Às vezes uma hora, quando a dor na coluna ataca. Mas, se estou bem, são três, quatro horas, lá no fundo de ‘mío’ quintal do samba”, orgulha-se.

No largo ou no bar, a festa prossegue até lá pelas oito da noite e o cenário das imediações não muda. A escuridão se aproxima e o abandono dos prédios e das pessoas parece ficar mais evidente no caminho de volta para casa. Para o bem e para o mal, o samba, pai do prazer e filho da dor, não vai morrer. Desde que o samba é samba é assim.